31 de agosto de 2014

Sobre o não ter, agora.

Estava escuro. Tremendamente. O céu intimidante, fechado. Sem lua, sem pontos brilhantes. Levemente frio. Visto o moletom, mas queria meu Sol raiar. Aonde foi o dia? Dormir, descansar – volta daqui a pouco. Não, eu queria agora. Eu preciso dele agora. Me diz o endereço que eu vou lá buscar. Apressado, inquieto. Desânimo pra dar.
A luz lembra, esperança. Traz força, diz que vai ficar tudo bem. Não posso encontrar a felicidade se não vejo a passagem. A calma da noite tem gota de bravura, mas esse breu, vou te contar. Pupilas dilatam, sentidos realçam, medo de se assustar. Esperar. Uma noite inteira! Nem sei quando vai acabar. É muito. E se ele não voltar? E se o dia resolver delongar? Infarto. Fim da linha. Eu preciso dele para acreditar. Poxa, injusto. Não acho nem o banco pra sentar. Tamanha escuridão. Receio de cair, de novo. Esperar, esperar.
Escuto um ruído. Passos leves, daquele que firme, compreende cada piso. Um morcego que vê no negro ou um sábio satisfeito, alguém que confia no bom e não busca o sempre perfeito. Aos poucos, o mover de sua sombra. Longe de tempestade, chega serena como braço amigo. Ela para, acolhedora. Entre os dedos, detrás da colina, clareia a ponte duradoura: a chama da vela, o lume da mente. Perfume de luz, espera ciente. Meu sentar...   

Por: 

26 de agosto de 2014

Sobre o começo


"Por isso que sempre no início
A gente não sabe como começar
Começa porque sem começo
Sem esse pedaço não dá pra avançar
Mas fica aquele sentimento
Voltando no tempo faria outro som
Porque depois de um certo ponto
Tirando o começo até que foi bom"

Como e o que escrever? Sobre que assunto? Algo pessoalmente importante? Aquilo com que as pessoas vão se identificar? E rimar, pode? Fazer trocadilhos? Inventar palavras e expressões? Fazer citações  implícitas? Sempre ouvi dizer que isso é coisa de "grandes pensadores", pois "quando você se tornar um autor consagrado, aí sim pode fazer isso... Por enquanto, não. Coloque-se no devido lugar".... Será?
Sinto que é realmente difícil escrever, e me surgem tantas perguntas antes mesmo de pensar na primeira palavra, que acabo encontrando o caminho somente a partir do momento em que efetivamente escrevo sobre essa impossibilidade da escrita.
Afinal, o que nos resta dizer? Todos os grandes gênios já fizeram suas obras primas, não é mesmo? Não estamos mais à altura dos pensadores gregos, da exepcionalidade romântica... O que resta ao ser pensante contemporâneo, que, nas horas de não-trabalho (se é que existem), não restam outras opções de vivência a não ser passear pelos shoppings, assistir uns seriados, e volta à rotina massacrante?
E o pior de tudo: refletir dá uma preguiça...E todos nós temos mesmo! Escrever então? Pior ainda. Só eu demorei vinte e poucos anos para começar (mas nunca é tarde, pra não esquecer o clichê)!
Como diz o trecho da música, nem sempre o começo é a melhor parte... Mas precisamos dele se quisermos realmente sair do lugar. Talvez o "meio" seja exatamente aquele ponto que nem imaginaríamos chegar, uma bela e inesperada surpresa, descoberta somente no prazer de escrever...
 Nunca tive muita paciência para colocar as palavras "no papel", então é exatamente essa a única saída que consigo encontrar: instigar - a mim, e aos que têm a paciência de ler - o exercício da escrita. A que caminhos isso nos levará? Que seja pelo menos para compartilhar suas angústias aos que estão atentos, ou contar coisas boas, bonitas e especiais!
Cada palavra revelada é um "orvalho do tempo", com potencial de transmitir ao outro um pouquinho de nossas histórias e pensamentos loucos! ;)



Por: 

25 de agosto de 2014

Fim do chá

O Sol reflete no vidro do carro. Da esquerda para a direita, antes da curva. Divide-se em várias tonalidades, um prisma de calor. Abre a janela e vem o mormaço. Quatro estações de duvidar, o arregaçar das mangas três quartos. Montes amarelados fundindo-se em um borrão esquecido de terra seca e sobrenomes vendidos. Vai, mais rápido. Quero descobrir os fios se entrelaçando e se despedindo da brisa passageira. A paisagem retangular inibe o ritmo do rádio, mas ao menos nos recebe com aroma de biscoito. Isso me leva para o chá das cinco, o silêncio da mesa de madeira e dos farelos na toalha. Pena que os minutos desistiram de nós, quem sabe outro dia. A estrada é reta, a nuvem assimétrica. Consegue achar a do castelo atrás da laranjeira? Pena, já se foi. Não se esquece de ficar na direita, tá? Daqui a pouco ele já chega e é melhor não arriscar. Que horas são? Adiantei meus ponteiros para o despertador ser menos rígido. Nem adiantou. Aliás, não deu para lavar a xícara e o prato de bolo, arrumo assim que chegar. Ah, pois lá o vejo! Depois da placa, entre o céu e o mar. Alaranjado extrovertido, rima de belo com cativo, cria sensação de bem estar. Tão ligeiro, por que não fica? Troca de turno, deixe a noite tentar. Até amanhã, entre o pôr e seu afastar.
Colonia del Sacramento, maio no Uruguai. 
Por: 

24 de agosto de 2014

Vaguear




Dias atentos ao vento solar, miséria na alma, amargura relutante a vaguear. O inesperado se furtou ou o caminhante hesitou? O amor que não fecundou. Abundância de egos, rivalidades insanas, melodias dissimuladas... De criança o desespero, dissolvido em histórias que ninguém vai lembrar. O pesar do não vivido, do beijo escondido, do suspiro eterno a sufocar. De longe a lembrança da quimera secreta, triturada sob os raios da janela entreaberta. Desejo ausente, como um perecer em cada fragmento de tempo cindido. O destino presente, arriscado e perdido - sem recompensa - nas esquinas corroídas. Restam a aridez do navegar e a sobriedade demente, aos que resistem a essa realidade dura, a essa sensibilidade seca, a essa mobilidade vazia. 

Por: 

Bocejos & Sorrisos



 
Aquela preguiça,
de dia de domingo,
sentado na beira do mar
olhando-o ir e vir
ir e vir
ir e vir

Aquela paisagem,
de praia nublada,
meia dúzia de pessoas
olhando o mar indo e vindo
indo e vindo
indo e vindo

Aquela paz,
que só se consegue,
bebendo água de coco
olhando o mar que vai e volta
vai e volta
vai e volta

Aquela passagem,
de vez em quando,
quando o pôr do sol (d)existe,
no dia que o mar foi e voltou
foi e voltou
foi e voltou.


Por: